sábado, 21 de abril de 2012

A ubiquidade no Direito Penal

Sempre que inicio, nas turmas onde leciono, o tópico "lugar do crime", sinto pairando sobre os alunos um certo espanto sobre o nome do princípio que rege o tema, qual seja, ubiquidade, além de alguma dificuldade na assimilação do disposto no artigo 6º do Código Penal. Entretanto, uma vez que se perceba que o critério de definição do local do crime é integralmente explicado pela denominação do princípio, torna-se bem mais simples o entendimento.

Ubiquidade nada mais é do que onipresença, ou seja, a qualidade de estar em vários lugares simultaneamente. Encontramos o uso dessa palavra em outros ramos do saber científico, como, por exemplo, na microbiologia, para explicar a existência de micro-organismos nos mais diversos ambientes.

Na ciência penal, o lugar do crime se presta a fixar a submissão do agente à jurisdição de determinado país, ou seja, temos um delito em trânsito, onde legislações criminais diversas podem ter incidência simultânea. A lei brasileira, destarte, pode ser aplicada: (a) quando a ação ou omissão ocorreu no território brasileiro (conceito determinado pelo princípio da territorialidade, com esteio no artigo 5º do Código Penal), no todo ou em parte (exs.: um tiro é disparado contra a vítima no Brasil, sendo ela socorrida e falecendo em um hospital no Paraguai; um avião carregado de drogas parte da Bolívia rumo à Europa, sobrevoando o território brasileiro); (b) quando o resultado ocorre em território brasileiro (ex.:a vítima é alvejada em solo paraguaio, mas, socorrida, morre em um hospital no Brasil); (c) quando o resultado deveria ocorrer em território brasileiro (ex.: na Nigéria, um estelionatário aplica um golpe em certo empresário, simulando polpudo negócio jurídico e fornecendo para depósito de valores determinada conta bancária em nome de "laranja", sediada no Brasil, entretanto não há a concretização da transferência de fundos, restando tentado o crime). Nessas hipóteses, não apenas a legislação nacional terá incidência, mas também poderão ser aplicadas as leis de outros países (nos exemplos dados, Paraguai, Bolívia, Nigéria...), existindo a possibilidade de condenações diversas, ocasião em que, depois de cumprida a pena em um dos países, o criminoso poderá ser extraditado (se presentes os requisitos legais) para outro, a fim de que cumpra a sanção remanescente (descontado o tempo de pena já cumprido). Ou seja, o crime existirá em vários países ao mesmo tempo (seria correto falar em onipresença criminosa moderada?).

Todavia, o mais belo aspecto da ubiquidade surge na poesia de Manuel Bandeira (até mesmo para quem, como eu, não professa qualquer religião):

"Ubiquidade

"Estás em tudo o que penso,
Estás em quanto imagino:
Estás no horizonte imenso,
Estás no grão pequenino.

"Estás na ovelha que pasce,
Estás no rio que corre:
Estás em tudo que nasce,
Estás em tudo que morre.

"Em tudo estás, nem repousas,
Ó ser tão mesmo e diverso!
(Eras no início das cousas,
Serás no fim do universo.)

"Estás na alma e nos sentidos,
Estás no espírito, estás
Na letra, e, os tempos cumpridos,
No céu, no céu estarás."

Abraços a todos!

Um comentário:

  1. Grande Gilaberte!! Sempre trazendo belas reflexões! Amei a poesia. Bjs, Thalissa.

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