sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal!

Época de festas, consequentemente de poucas postagens. Mas vou tentar publicar um artigo até o fim do ano.

Feliz natal a todos!

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Alô Alô Terezinha


Abelardo Barbosa tá com tudo e não tá prosa! A dica cultural de hoje é o filme "Alô Alô Terezinha", de Nelson Hoineff. O documentário retrata com perfeição o paradoxo chamado Chacrinha: castidade e erotismo, alienação e ruptura, establishment e anarquia. Aliás, há momentos deliciosos de dicotomia pura. Por exemplo, nas cenas com as chacretes. São hilárias! Mas, ao mesmo tempo, é impossível não se compadecer com a situação delas. Também dá aquela sensação angustiante de que o tempo passa e nada podemos fazer contra isso. Enfim, gostaria de explicar melhor a apoteose que se desenrola na tela, mas Chacrinha é inexplicável. Assistam e aproveitem cada momento. Para uma sinopse do filme, é só clicar no seguinte link. Abraços a todos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ficção?

Encontrei esse post no blog do Paulo Henrique Amorim. Não é apenas engraçado, mas também pertinente. Por isso, tomo a liberdade de reproduzi-lo:

"De Janice Ascari:

Análise certeira de um membro do MP no DF (à qual acrescentei alguns tópicos) – Se o processo contra Madoff fosse no Brasil…

- A denúncia seria declarada inepta;
- A prisão preventiva não seria mantida porque ele tem endereço certo, exerce atividade lícita, não houve violência, ele não oferece perigo, é primário ou não tem condenações transitadas em julgado etc.;
- Se fosse preso (sem algemas, claro), logo viria um habeas corpus;
- Ele jamais admitiria ter infringido a lei, porque aqui todos são santos e juram de pés juntos que a denúncia é perseguição política ou do Ministério Público;
- Mesmo se confessasse todos os crimes, ficaria em liberdade até decisão final do STF transitada em julgado;
- Tendo ele 71 anos, o prazo de prescrição seria contado pela metade;
- Os advogados e alguns políticos estariam nos jornais bradando contra a injustiça, a parcialidade do juiz e contra o “estado policial”;
- O presidente do STF analisaria o caso em entrevistas à imprensa;
- Artigos e reportagens seriam prontamente veiculados, demonstrando, além de dezenas de “falhas processuais”, que o aumento das penas nada resolve, que a Justiça não deve seguir o clamor das ruas, que o direito penal mínimo ou inexistente é o único caminho para a ressocialização (fim único da pena) e para escapar da barbárie;
- Proliferariam, em poucos dias, projetos de lei ou resoluções dificultando o deferimento de escutas telefônicas e quebras de sigilo bancário, ou amordaçando e responsabilizando pessoalmente os membros do Ministério Público;
- O réu entraria com ações de indenização contra o Estado e contra os “justiceiros” que tiveram o desplante de processá-lo;
- O juiz, o procurador ou promotor e o delegado estariam sendo processados nas esferas civil, criminal e disciplinar"

Boa noite!


"Para PGR, não é crime a ABIN ter colaborado em investigação"

"A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal confirmou o arquivamento do inquérito policial que apura suposto crime na cessão de servidores e na colaboração de agentes da Agência Brasileira de Inteligência durante as investigações da Polícia Federal na operação batizada como Satiagraha. Essa operação investigou crimes financeiros supostamente cometidos pelo Grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas.

A câmara tem atribuições na área penal e controle externo da atividade policial, e recebeu delegação do PGR para decidir sobre arquivamento de inquéritos. Coordenada pelo subprocurador-geral da República, Wagner Gonçalves, é o órgão colegiado setorial de coordenação, de integração e de revisão do exercício profissional no Ministério Público Federal em matéria criminal e no controle externo da atividade policial. A Câmara é composta por seis integrantes, três titulares e três suplentes, dos quais quatro são subprocuradores-gerais da República e dois são procuradores regionais da República.

Os autos do inquérito, que tramita na 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, foram encaminhados para manifestação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, após decisão do juiz federal Ali Mazloum, que rejeitou o arquivamento, ao considerar 'anômala a cooperação entre Abin e Polícia Federal'.

O voto foi escrito pelo subprocurador-geral da República Wagner Gonçalves, na função de relator-coordenador da 2ª Câmara. Participaram também da decisão as subprocuradoras-gerais da República Julieta Albuquerque e Ana Maria Guerrero Guimarães.

Para Gonçalves, não houve crime na cessão de agentes da Abin para participar da Operação Satiagraha, a pedido do delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, com a autorização do diretor-geral da Agência, Paulo Lacerda. Os agentes cedidos atuaram como coadjuvantes, auxiliares e sob as ordens de um delegado da Polícia Federal. O juiz também pediu análise de eventual ingresso de ação penal em face deles e de todos os indiciados por usurpação de função pública (art. 328 do Código Penal) e art. 10, segunda parte, da Lei 9.296/96 (violação de sigilo).

A princípio, Wagner Gonçalves explica que, no sistema acusatório, é vedada a participação do magistrado na fase pré-processual, ressalvadas as hipóteses de medidas cautelares. E, segundo ele, quando da análise do pedido de arquivamento, deve o juiz, quando discordar, fundamentar suas razões com extrema cautela, sob pena de inversão de papéis e falta de imparcialidade. 'Vê-se, portanto, que, na fase pré-processual, o juiz só comparece quando há pedido da Polícia Judiciária ou do Ministério Público para medidas constritivas ou cautelares, em defesa dos direitos fundamentais dos investigados', afirma.

Para o subprocurador-geral, em 19 laudas, houve excesso de linguagem do juiz ao rejeitar o arquivamento do inquérito. Primeiro porque, segundo ele, o Ministério Público, como titular da ação penal, pode apresentar ou não a denúncia e, no caso, o MPF denunciou Protógenes e outro por violação de sigilo funcional e fraude processual e não o denunciou e ao então diretor da Abin, Paulo Lacerda, por usurpação de função pública e violação de sigilo. 'O juiz não pode obrigar o Ministério Público a fazer uma acusação, nem pode se sentir ofendido caso ele não a faça', diz.

Além disso, acrescenta que, ao discordar do pedido de arquivamento, o juiz se aprofunda nas provas, sobre as quais não houve contraditório. De acordo com Wagner Gonçalves, 'uma incursão acentuada nas provas na fase pré-processual, por parte do juiz, além de representar violação das atribuições do Ministério Público, pode configurar uma futura condenação, em havendo denúncia, com violação dos direitos fundamentais dos acusados'.

Ele explica, ainda, que o direito de investigar mediante o inquérito policial é exclusivo da polícia judiciária, mas investigações de crimes são feitas pelos mais diversos órgãos públicos e não há reserva de mercado investigatório para a Polícia Federal. 'Se todos são responsáveis pela segurança pública, não se pode afastar, a priori, a colaboração de outros órgãos, muito menos da Abin', sustenta.

Diz também que os agentes da Abin não praticaram atos de gestão ou decisão, mas colaboraram nas investigações, efetuando atividades de pesquisa, vigilância, seleção e degravação de ligações interceptadas, etc. Segundo ele, todas as medidas cautelares, busca e apreensão, interceptações telefônicas etc deferidas judicialmente, não foram solicitadas pela Abin, mas pela Polícia Federal ou pelo Ministério Público, e seu cumprimento foi executado pela Polícia Federal, entrando os agentes cedidos como meros 'coadjuvantes' em questões pontuais e determinadas, muitos deles desconhecendo o objetivo maior da operação.

O procurador conclui dizendo que houve cessões de servidores para o delegado Protógenes, deferidas verbalmente, podendo-se falar em irregularidade administrativa e, por isso, em improbidade, quando muito, mas não em crime. 'Afora isso, após os fatos aqui questionados, há norma posterior, que permitiu a regularização de servidores cedidos pela Abin, que estariam irregulares.'

A norma posterior a que se refere Gonçalves é a Medida Provisória 434, de 5 de junho de 2009, editada durante a cooperação da Abin na Operação Satiagraha, e convertida na Lei 11.776, de 2008. A norma tornou possível regularizar as cessões de servidores feitas pela Agência, para outros órgãos, inclusive para a Polícia Federal, ante a redação que foi dada ao parágrafo único do art. 44, que dispõe: 'as cessões em desconformidade com o disposto no caput deste artigo serão regularizadas até 6 de outubro de 2008'. Para Wagner Gonçalves, tal norma age como manifesta exclusão de ilicitude material do fato, mesmo que se entendesse, só para argumentar, haver crime em virtude da colaboração da Abin.

Além disso, cita que há todo um conjunto de normas que não vedam, mas, ao contrário, permitem uma cooperação dos diversos órgãos que compõem o Subsistema de Segurança Pública, a partir do Sistema Brasileiro de Inteligência, para compartilhar informações, apuradas dentro da área de competência de cada qual, mas com o objetivo precípuo de garantir a segurança pública, mediante ações que coíbam e reprimam a criminalidade.

Wagner Gonçalves menciona que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em Habeas Corpus, reconheceu que, em face da Lei 9.883/99, não há irregularidade no compartilhamento de informações e dados sigilosos entre os órgãos encarregados da persecução penal e outros órgãos integrantes do Estado. E que tal colaboração nunca 'causou perplexidade ou surpresa'.

Assim como fez Mazloum, Gonçalves enviou cópias da decisão da 2ª Câmara às corregedorias do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.

Em maio, quando o Ministério Público Federal em São Paulo apresentou à 7ª Vara Federal de São Paulo suas conclusões sobre o inquérito da Polícia Federal que investigou a conduta do delegado Protógenes Queiroz à frente da Satiagraha, os procuradores da República Fábio Elizeu Gaspar, Roberto Antonio Dassié Diana, Ana Carolina Previtalli e Cristiane Bacha Canzian Casagrande já haviam concluído que não há crime na participação da Abin na Satiagraha.

Para os procuradores, a participação de agentes da Abin na Satiagraha e o compartilhamento de informações da operação entre a equipe de Protógenes com esses funcionários públicos não configura crime, pois é prevista na lei do Sistema Brasileiro de Inteligência, o Sisbin.

No mesmo processo em que houve o arquivamento, Queiroz foi denunciado por dois vazamentos de informações para a Rede Globo e fraude processual. A denúncia foi recebida e o processo tramita na 7ª Vara Federal de São Paulo. Para o MPF, o fato de Queiroz ter recorrido à Abin sem informar seus superiores hierárquicos na Polícia Federal também não é crime, mas apenas uma questão administrativa da PF.

Os procuradores ressaltaram que as provas colhidas na investigação, durante a fase conduzida por Queiroz, não foram maculadas, pois as investigações nunca saíram do comando da Polícia Federal e toda a atividade desenvolvida pela Abin era supervisionada pelo delegado e sua equipe, mesmo entendimento ora firmado pela 2ª Câmara."

Quando da eclosão da Operação Satiagraha, a imprensa tratou de desqualificar o trabalho investigativo em virtude da participação de agentes da ABIN. Demonstrando ares de sapiência inquestionável, os "jornalistas" logo afirmaram que a colaboração era ilegal, atacando de forma nunca antes vista a honra dos Delegados Protógenes Queiróz e Paulo Lacerda, ambos de competência e dedicação ímpares, mas que se interpuseram no caminho de interesses econômicos poderosos. Agora revela-se a legalidade do procedimento. Aliás, não é só a ABIN que coopera com investigações policiais. Também o fazem o COAF, o Banco Central, o IBAMA e outros tantos órgãos. Mas a grande mídia (representada principalmente por revistas de circulação semanal) fechou os olhos para uma realidade legítima, preferindo o ataque sensacionalista descabido. Nem se fale, como argumento contrário, da oposição manifestada pelo Juiz Federal Ali Mazloum, já combatida de forma pertinente pelos Procuradores da República citados na reportagem. De qualquer forma, é interessante ressaltar que, até o momento, nenhum veículo noticioso deu o devido destaque à informação. E o povo continua ouvindo telejornais como se assistisse a prolações de um oráculo. É o preço que se paga pela ignorância. Abraços a todos.

domingo, 8 de novembro de 2009

Série Grandes Juristas: Dalmo de Abreu Dallari


Inicio com este post a série "Grandes Juristas", dedicada aos estudiosos do Direito que contribuíram de forma relevante para a evolução da ciência no Brasil. Não pretendo traçar linhas biográficas extensas, mas sim retratar o homenageado e suas principais obras, sem maiores considerações a respeito. Optei por não começar com um criminalista para não parecer muito parcial (embora confesse que o seja), mas por um jurista por quem nutro profunda admiração: Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da USP, que tem como obra mais difundida o livro Elementos de Teoria Geral do Estado. Simpatizo com sua tese mais polêmica: a extinção do Senado Federal, abolindo-se o bicameralismo, que será defendida no livro Fundamentos do Constitucionalismo - História, Política e Direito. A ele, esse singelo reconhecimento.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

STJ decide pela extinção da punibilidade em crime de apropriação indébita


"A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu, por maioria, extinguir a punibilidade quando há devolução da coisa apropriada antes de recebida a denúncia. No caso, a coisa apropriada fora restituída antes mesmo do oferecimento da denúncia, que descreve ter sido o paciente contratado para assistir as vítimas numa reclamação trabalhista e se apropriou dos valores a que condenada a reclamada. Precedentes citados: HC 48.805-SP, DJ 19/11/2007, e RHC 21.489-RS, DJ 24/3/2008. RHC 25.091-MS, Rel. originário Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em 29/9/2009."

Desde a edição da súmula 554 do STF, nega-se tratamento paritário aos praticantes de crimes patrimoniais não-violentos. Isso porque é permitido ao emitente de cheque sem suficiente provisão de fundos o pagamento do valor do título até o momento da denúncia, abolindo-se qualquer punição pelo ato. No entanto, a jurisprudência não conferia o mesmo benefício aos autores de delitos diversos, inclusive a alguns de menor reprovabilidade em abstrato, como o furto (no máximo ocorria arrependimento posterior, mera causa de diminuição da pena). Confesso que não entendia a razão da discrepância, mas a decisão em comento parece colocar as coisas nos eixos. Espero apenas que não seja uma decisão casuística, mas que se torne um norte a ser seguido dentro do STJ.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Massagem capilar


"Cabeleireiro é acusado de ejacular em cliente no RS"

"Um cabeleireiro de Santa Maria (RS) é acusado por uma mulher de ter ejaculado em seus cabelos enquanto os enxaguava em um pequeno salão de beleza no centro da cidade. Ele irá responder por ato obsceno. 'Ela viu o cabeleireiro com o zíper aberto e o pênis para fora e perguntou o que estava acontecendo', contou a delegada Débora Dias, titular da Delegacia de Polícia para Mulher de Santa Maria. De acordo com o relato da cliente, logo em seguida, o cabeleireiro pediu desculpas e disse que tinha se excedido. Ela então pediu que ele enxaguasse novamente a sua cabeça, pois ela iria embora do salão. Segundo Débora, mesmo que o homem não tenha necesariamente ejaculado na cliente, mas tenha aberto o zíper e colocado o pênis para fora, já é crime. A delegada informou que marcará uma audiência com o cabeleireiro. Depois o inquérito será remetido para o Juizado Especial Criminal."

Vou me servir dessa notícia apenas para discutir o que se entende por ato libidinoso no crime de estupro (artigo 213 do CP). No caso em comento, o autor se masturbou enquanto atendia uma cliente, supostamente ejaculando em sua cabeça. Ou seja, não praticou nenhum ato libidinoso COM a cliente, mas sim no próprio corpo, alcançando a satisfação de sua concupiscência. Tal conduta não se amolda à disciplina do artigo 213, mas sim ao artigo 233 do CP. Ato libidinoso, no estupro, é aquele que conta com a participação da vítima, haja ou não contato corporal. Necessariamente, o ato deve recair sobre o corpo da vítima. Por exemplo, na conjunção carnal, há o contato entre sujeito ativo e passivo, permitindo-se a caracterização do estupro; todavia, ainda que o agente obrigue a vítima apenas a se despir, contemplando-a lascivamente (ou seja, satisfazendo-se pela observação do corpo nu da vítima), persiste a tipificação do estupro, uma vez que o corpo da vítima é objeto do crime.

Entretanto, há que se observar que o estupro é um crime hediondo, com pena mínima de seis anos de reclusão. Assim, para se preservar a proporcionalidade da norma (proibição do excesso), dever restar alijados do tipo penal aqueles atos de pouca ofensividade. Se a mulher, durante uma micareta, é puxada pelo braço e forçada a beijar o autor, inegavelmente ocorre um ato de conteúdo libidinoso, sendo a vítima constrangida à sua prática mediante violência. Entretanto, entendo desarrazoado punir o autor por estupro. A condenação por constrangimento ilegal seria suficiente para punir a conduta (não havendo violência ou grave ameaça - ou outra forma de redução da capacidade de resistência - a conduta poderia ser enquadrada na contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, desde que pública).

Por conseguinte, mister a análise sempre criteriosa do artigo 213 do CP, de forma a não permitir exageros punitivos.

Minha eguinha pocotó: maus-tratos contra animais (Lei nº 9.605)


"Americano é condenado a três anos de cadeia após fazer sexo com égua"

"O norte-americano Rodell Vereen, de 50 anos, foi condenado nesta quarta-feira (4), na Carolina do Sul (EUA), a três anos de cadeia por ter mantido relações sexuais com uma égua, segundo reportagem do jornal americano 'The Sun News'. Vereen havia sido detido em julho após invadir a fazenda de Barbara Kenley em Columbia, na Carolina do Sul, e fazer sexo com a égua "Sugar". Ela flagrou o acusado fazendo sexo com o animal depois de colocar uma câmera escondida no estábulo. O juiz Larry Hyman condenou o réu a três anos de cadeia, porque ele violou sua condicional relativa a outro incidente semelhante em 2008. De acordo com a sentença, quando sair da prisão, Vereen terá que cumprir mais dois anos de condicional. Durante a audiência, o réu afirmou que está arrependido de seu comportamento. "Eu peço desculpas pelo o que eu fiz", disse Vereen, que, também foi proibido pela Justiça de se aproximar do estábulo de Barbara Kenley quando sair da prisão."


Caso clássico de zoofilia, atípico em nosso ordenamento jurídico. Não há que se falar em maus-tratos contra animais, pois certamente a égua nada sofreu (a menos que o autor seja disforme, algo como o homem-anaconda). A situação seria diferente se o autor tivesse dado bebida alcoólica ao animal, embriagando-o (não, não estou falando em levar a égua para jantar, clique no link e saiba mais sobre a notícia).

O crime de maus-tratos é tipificado na Lei de Crimes Ambientais (por favor, não falem em meio-ambiente, é redundância*), mais especificamente no artigo 32. Evidente que o animal não é sujeito passivo da conduta em apreço (é apenas seu objeto material), uma vez que não é sujeito de direitos. Trata-se de crime vago, que tem a coletividade no polo passivo.

Creio que a infração penal (que tacitamente revogou a contravenção insculpida no artigo 64 da LCP) pode aparecer em concurso de delitos com o crime de dano (artigo 163 do CP), uma vez que há animais com valor economicamente apreciável. Explico: é possível que haja maus-tratos sem dano, assim como é possível o dano sem os maus-tratos (como quando o animal é morto sem sofrimento), devendo ser ressaltado que as objetividades jurídicas dos crimes são distintas; assim, não há que se falar em incidência do princípio da consunção, mas em concurso formal de delitos.

Observe-se, por fim, que o artigo 32 não incrimina apenas os maus-tratos, mas também toda sorte de abusos (verbo que, para mim, se confunde com os maus-tratos), ferimentos e mutilações praticados contra animais, bem como a submissão destes a experiências dolorosas ou cruéis (a lei fala em realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, como se fosse possível praticá-la em animal morto).

(*) redundância por redundância, prefiro a do artigo 30 da Lei Ambiental: "exportar para o exterior". Um espetáculo!

Teoria da Cegueira Deliberada e o inexistente desvirtuamento do tipo subjetivo


A Enron, empresa sediada nos Estados Unidos, era uma das líderes mundias no setor de distribuição de energia e telecomunicações. Em 2001, uma investigação revelou que a companhia fraudava seus balanços financeiros, ocultando vultosas dívidas, o que ocasionou o declínio das ações da empresa e a decretação de sua consequente falência, em dezembro de 2001. No evento, foram lesionados acionistas e credores da Enron, que figurou como protagonista de um dos maiores escândalos corporativos já registrados. Andrew Fastow, antigo CFO da empresa, foi condenado em 2004 a uma pena de 10 anos de prisão e multa de US$ 23,8 milhões, depois de aceitar um acordo em que se declararia culpado e testemunharia contra outros executivos da Enron. Isso propiciou que Jeff Skilling e Ken Lay, outrora ocupantes do cargo de CEO da companhia, fossem judicialmente processados. Na época, o juiz do caso afirmou vislumbrar a possível aplicação das Ostrich Instructions, ou "Teoria das Instruções da Avestruz", também denominada "Teoria da Cegueira Deliberada". Por essa teoria, podem ser responsabilizados criminalmente por crime doloso aqueles que tinham condições de conhecer as particularidades de uma conduta criminosa, mas deliberadamente preferiram manter a ignorância, não evitando os possíveis resultados lesivos da conduta ou beneficiando-se dela de alguma forma. Isto é, tão criminoso quanto o autor da primeira conduta é aquele que enfia a cabeça em um buraco para manter a "inocência", tal qual uma avestruz. No caso em apreço, ao menos um dos executivos foi alertado por Sherron Watkins sobre as irregularidades contábeis, mas nenhuma providência apuratória concreta foi adotada. Ao final do processo, Skilling e Lay foram condenados por crimes diversos.

A Teoria da Cegueira Deliberada não é de aplicação exlusiva aos países da Common Law. Mesmo no Brasil ela já foi adotada (TRE-RO, Ap. Crim. nº 89, julg. em 09/05/2008). Tentou-se aplicá-la ao caso do furto ocorrido no Banco Central de Fortaleza, quando o proprietário de uma concessionária de automóveis vendeu onze carros aos autores do crime, pelo valor de um milhão de reais, sem ao menos questionar a origem do dinheiro. Todavia, o empresário foi absolvido em segunda instância.

Embora seja de larga difusão no combate à lavagem de dinheiro, em verdade a teoria pode ser imposta a qualquer delito, como, por exemplo, no caso da mãe que, suspeitando de abuso sexual praticado pelo padrasto contra sua filha, prefere manter-se à margem de qualquer levantamento mais aprofundado, permitindo a perpetuação da violência. Nesse caso, pode, assim como o executor, ser responsabilizada por estupro de vulnerável. Preconiza-se, na doutrina, a existência de ao menos dolo indireto (eventual).

Impõe-se, entretanto, um questionamento: a cegueira deliberada revela o dolo do agente ou, em verdade, caracteriza simples negligência, mais condizente com os crimes culposos? Ainda que defendendo a análise caso a caso, não percebo qualquer incompatibilidade da teoria com a conduta dolosa. A manutenção consciente da ignorância perante razoáveis evidências de ilicitude amolda-se à assunção do risco. É o famoso "não me fale nada, eu não quero saber de nada", usado como um escudo para possíveis implicações penais, embora saiba-se desde logo que o benefício da ignorância repousa em uma violação da lei penal. Tal constatação, aliás, não é estranha ao nosso Código. A receptação praticada mediante dolo eventual (artigo 180, § 1º) nada mais é do que uma positivação da teoria.

Assim, sou pela consagração da tese, que serviria em última análise para a punição daqueles que, agindo por interposta pessoa, fingem não saber da postura de seus prepostos quando o delito é desvendado.

Recomendação literária: "Caim", de José Saramago


"- É simples, matei abel porque não podia matar a ti, pela intenção estás morto - Compreendo o que queres dizer, mas a morte estás vedada aos deuses - Sim, embora devessem carregar com todos os crimes cometidos em seu nome ou por sua causa"

O texto acima é um trecho do diálogo travado entre deus e caim (assim mesmo, com letra minúscula), retirado do novo livro de Saramago. É evidente que a estrutura textual foi um pouco modificada por mim, ou restaria incompreensível (no original, as frases vão surgindo em sequência, sem qualquer pontuação, característica marcante das obras do autor). Trata-se de um livro repleto de ironias, que tem o grande mérito de invadir dogmas religiosos sem o temor de julgamentos morais por fundamentalistas. Leitura não recomendada para aqueles que acham que religiões são intocáveis e que a fé não se discute.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Conflito intertemporal de normas na Lei nº 12.015: posição do Superior Tribunal de Justiça


"Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a majorante inserta no art. 9º da Lei n. 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, foi revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 29/9/2009".


Trata-se do primeiro pronunciamento feito por um Tribunal Superior acerca da reforma dos crimes sexuais (Lei nº 12.015/09). Antes da reforma, todos sabem, o estupro (artigo 213 do CP) podia ser praticado mediante violência real (incidência de uma força física sobre o corpo da vítima), grave ameaça (constrangimento psicológico, consistente na promessa de um mal sério e verossímil) ou violência presumida (ficta, nos casos em que a vítima era menor de quatorze anos, alienada ou débil mental ou quando não podia oferecer resistência). Nesse último caso, utilizava-se o disposto no antigo artigo 224 do CP, norma de natureza explicativa que conceituava a violência presumida. O estupro também era (ainda é) arrolado pela Lei nº 8.072/90 como crime hediondo. E a Lei de Crimes Hediondos, ao seu turno, previa, no artigo 9º, uma causa de aumento de pena a todos os crimes nela especificados, sempre que estes fossem praticados contra as pessoas citadas no artigo 224 do CP. Ou seja, o artigo 224 do CP servia como elementar do tipo penal estupro, quando praticado mediante violência presumida. E também servia como majorante dos crimes hediondos, dentre os quais estava o estupro. Caracterizava e, simultaneamente, incrementava a pena do mesmo delito. Não é difícil observar o bis in idem que existia na hipótese. Assim, boa parte da doutrina e da jurisprudência passaram a defender que a majorante da Lei dos Crimes Hediondos somente poderia ser aplicada ao estupro quando praticado mediante violência real ou grave ameaça, nunca na violência ficta.
Com a reforma promovida pela Lei nº 12.015, o artigo 224 foi expressamente revogado. O artigo 213, hoje, só admite violência ou grave ameaça como meios executórios. A violência presumida virou crime autônomo, o novíssimo estupro de vulnerável (artigo 217-A). E o artigo 9º da Lei 8.072/90, que fazia menção ao artigo 224? Foi tacitamente revogado (de acordo com o STJ), uma vez que hoje inexiste o artigo que lhe dava eficácia normativa, complementando seu conteúdo. Até aí, tudo bem, não há qualquer surpresa.
A questão se torna tormentosa quando da análise do conflito aparente de normas. Suponhamos que uma pessoa tenha mantido conjunção carnal com vítima menor de quatorze anos antes da inovação legislativa. Deverá ser apenada de acordo com a antiga redação do artigo 213 do CP ou a conduta do agente subsumir-se-á ao atual artigo 217-A, do mesmo diploma? A resposta é: depende. Se o agente induziu a vítima à prática sexual, sem qualquer constrangimento físico ou psicológico, aplica-se a lei anterior. Se o crime foi praticado mediante violência real ou grave ameaça, impõe-se a retroatividade da lei nova.
A lei penal, como é notório, só retroage quando mais benéfica ao delinquente. Ainda sob a égide da antiga redação do Código Penal, se alguém cometesse um estupro mediante violência presumida, ficaria sujeito a uma pena de reclusão, de seis a dez anos. Pela redação atual (estupro de vulnerável), a pena é de reclusão, de oito a quinze anos. Não há dúvidas de que se trata (isoladamente considerada) de novatio legis in pejus (não estamos fazendo qualquer consideração acerca de concurso de crimes). Entretanto, havendo violência ou grave ameaça, a pena, na redação anterior, deveria ser acrescida da metade (artigo 9º da Lei nº 8.072/90). Assim, as margens penais abstratas passariam a ser de nove a quinze anos. Ou seja, a redação atual se torna mais benéfica (sim, porque o estupro de vulnerável abarca quaisquer meios executórios, inclusive a violência e a grave ameaça), justificando-se a retroação.
Essa foi a posição esposada pelo STJ, que, a nosso sentir, ainda não será pacificada (é possível defender-se a retroação apenas da abolitio criminis do artigo 9º da Lei de crimes hediondos, mantendo-se, de resto, a redação antiga do CP?), demandando um esforço interpretativo da doutrina e da jurisprudência. Mas já é um norte.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Assassinos seriais

Não sei se é por curiosidade mórbida (ou por vocação, quem sabe?), mas acho o tema dos assassinos seriais fascinante.
Abraços a todos.

Mestres da Criminologia

Vídeo elaborado pelo prof. Lélio Braga Calhau. Vale conferir.
Abraços.


domingo, 4 de outubro de 2009

Nova lei de identificação criminal

No último dia 2 foi publicada a nova Lei de Identificação Criminal (Lei nº 12.037/09), que revogou integralmente a Lei nº 10.054/00. Em breve vou escrever um artigo sobre ela (ainda não pude, pois estou atrapalhado com a atualização do meu livro). Por ora, vou me limitar a reproduzir seu texto. Abraços.

LEI Nº 12.037, DE 1º DE OUTUBRO DE 2009.

Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal.

O VICE – PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei.

Art. 2º A identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes documentos:

I – carteira de identidade;

II – carteira de trabalho;

III – carteira profissional;

IV – passaporte;

V – carteira de identificação funcional;

VI – outro documento público que permita a identificação do indiciado.

Parágrafo único. Para as finalidades desta Lei, equiparam-se aos documentos de identificação civis os documentos de identificação militares.

Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:

I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;

III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;

IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

Parágrafo único. As cópias dos documentos apresentados deverão ser juntadas aos autos do inquérito, ou outra forma de investigação, ainda que consideradas insuficientes para identificar o indiciado.

Art. 4º Quando houver necessidade de identificação criminal, a autoridade encarregada tomará as providências necessárias para evitar o constrangimento do identificado.

Art. 5º A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação.

Art. 6º É vedado mencionar a identificação criminal do indiciado em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Art. 7º No caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 9º Revoga-se a Lei nº 10.054, de 7 de dezembro de 2000.

Brasília, 1o de outubro de 2009; 188º da Independência e 121º da República.

JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto

Dicas de cultura: Doze Homens e uma Sentença e Clube do Filme


Passei a manhã desse domingão assistindo ao filme "Doze Homens e uma Sentença". Apesar de saber há muito tempo da sua qualidade, somente agora tive a oportunidade de vê-lo e não me decepcionei: é um filmaço, OBRIGATÓRIO para todos aqueles que lidam com o direito. Trata-se da estória de doze jurados, reunidos na sala secreta para decidirem sobre a condenação ou absolvição do suposto autor de um homicídio, crime para o qual é cominada a pena de morte. Qualquer que seja a decisão, ela deve ser unânime, mas já na primeira votação, quando todos esperam condenar o réu, um dos jurados se mostra em dúvida sobre a sua participação no crime. Desse momento em diante, todos os presentes passam a expor os seus argumentos sobre o porquê de considerarem a condenação correta, demonstrando seus preconceitos e pusilanimidades (é impressionante como o jurado que quer ver um jogo de beisebol se aproxima da nossa realidade, recheada de operadores do direito que fazem tudo nas coxas, sem se preocuarem com as consequências de suas decisões). Enfim, imperdível.

Mas quero recomendar também o livro "Clube do Filme", de David Gilmour, que terminei de ler há pouco tempo. Sensível, envolvente, leve, narra com maestria o relacionamento real entre um pai e seu filho, tendo como pano de fundo sessões de cinema entre ambos, em que preciosas análises cinematográficas são expendidas. A leitura é tão empolgante que dá para terminá-lo em apenas um dia. Sem contraindicações.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Yes, we créu!




E aí? Você é um dos 15,5% de malas sem alça que acham defeito em tudo e vivem para reclamar ou vai participar da legítima festa promovida pelos 84,5% restantes?

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Injúria por preconceito agora é crime de ação penal pública condicionada (Lei nº 12.033/09)

A injúria por preconceito, tipificada no art. 140, § 3º, do CP, anteriormente crime de ação penal privada, passou a ser processada mediante ação pública condicionada por força da Lei nº 12.033/2009, que alterou a redação do artigo 145 do CP. Doravante, há a exigência de representação do ofendido como condição de procedibilidade, quedando-se o Ministério Público legitimado para a propositura da ação. Segue o texto legal, extraído do site da Presidência da República:

LEI Nº 12.033, DE 29 DE SETEMBRO DE 2009.

Altera a redação do parágrafo único do art. 145 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, tornando pública condicionada a ação penal em razão da injúria que especifica.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Esta Lei torna pública condicionada a ação penal em razão de injúria consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Art. 2o O parágrafo único do art. 145 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 145. ......................................................................

Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3o do art. 140 deste Código.” (NR)

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 29 de setembro de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O uso de drogas na Argentina e na Colômbia: jurisprudência



"Argentina libera uso de maconha em pequenas quantidades para uso pessoal

A Suprema Corte da Argentina descriminalizou o uso da maconha em pequenas quantidades nesta terça-feira. O objetivo é concentrar o combate às drogas nos traficantes e não nos usuários. Foi considerada inconstitucional a abertura de processos que envolvam o uso da maconha.


Os argumentos utilizados pela Corte são: a proteção da intimidade e da autonomia pessoal (artigo 19 da Constituição); a necessidade de não criminalizar quem é doente e já é vítima do consumo da droga, e uma grande quantidade de tratados internacionais sobre o tema.

De acordo com o documento judicial, todo adulto é livre para decidir seu estilo de vida sem a intervenção do Estado. A decisão, porém, gerou críticas de autoridades do país que pertencem à Igreja Católica e de famílias de usuários de drogas, que temem um possível aumento no tráfico."

Em verdade, a decisão da Corte argentina, proferida no chamado Caso Arriola, decidiu pela aplicação do princípio da lesividade (ou ofensividade, ou da proteção de bens jurídicos) ao porte de drogas para uso próprio. De acordo com os magistrados, somente o porte em locais públicos (e mesmo assim dependendo das circunstâncias do caso concreto) tem o condão de lesionar a objetividade jurídica do delito, qual seja, a saúde pública. Portanto, o consumo de drogas em ambiente privado está alijado do âmbito criminal. Aliás, essa parece ser a tendência mundial, já que na Europa se percebe uma tolerância para com os usuários, sem que isso reflita no incremento ao tráfico.

Seguindo na mesma esteira, a Suprema Corte colombiana, no Caso Ancízar Jaramillo Quintero, defendeu que o porte de drogas para consumo pessoal não ofende bens jurídicos de terceiros, tratando-se de autêntica autolesão. Assim, posicionou-se pela inconstitucionalidade do delito.

Parece-nos, por conseguinte, que o Brasil não poderá escapar por muito tempo do debate sobre o tema, embora entre nós sempre haja uma boa dose de preconceito e oportunismo político a dificultarem uma discussão em alto nível.

Antiblog de Criminologia

A página hoje recomendada tem edição de Salo de Carvalho, um dos grandes nomes brasileiros na seara das ciências criminais. A pertinência dos temas abordados nos ótimos textos serve para comprovar a excelência do autor. Vale conferir.

Boa leitura!

PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS: DIMENSÃO POLÍTICO-CRIMINAL E INCONSTITUCIONALIDADE DA CONTRAVENÇÃO DE VADIAGEM


Recentemente, assistimos estarrecidos à ressurreição de uma prática que parecia relegada aos escaninhos da história: a prisão por vadiagem. O fato se deu na cidade paulista de Assis, onde uma operação conjunta das polícias civil e militar fez valer o preceituado no art. 59 da Lei de Contravenções, assim tipificado: “Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita. Pena: prisão simples, de quinze dias a três meses”. A ação foi motivada por um suposto “choque de ordem”, expressão em moda dentre os administradores públicos que desejam conferir um toque de austeridade às respectivas gestões. Todavia, tal política demonstra nítida inclinação para o totalitarismo, ainda que, aparentemente, esteja legalmente respaldada.

A desventura da implantação do nacional-socialismo na Alemanha é episódio ainda vivo na memória coletiva e representou, em termos jurídico-penais, um triste hiato, sobre o qual devemos nos debruçar para que o passado não se repita. No período compreendido entre 1933 e 1945, muitos juristas alemães, apoiados por expertos em várias áreas do conhecimento, fomentaram a idéia de extermínio dos indivíduos de “menor valor”, categoria que englobava os “estranhos à comunidade”, ou “associais”, aí compreendidos todos aqueles “que se afastavam dos valores e princípios que regiam a comunidade do povo (Volksgemeinschaft), tanto porque cometiam fatos delitivos, criminosos, como porque sem chegar ainda a isto se comportavam de forma contrária a estes princípios e levavam uma vida dissoluta, de vagabundagem, mendicância, ou simplesmente refratária ao trabalho” (MUÑOZ CONDE). Em consequência, vários diplomas legais foram editados, começando com a primeira lei de depuração da função pública, de abril de 1933, e culminando com a Lei de Estranhos à Comunidade, de 1944, que, em seu § 13, previa a esterilização compulsória dos “associais”. Houve, ainda, os extermínios em massa, as internações em campos de trabalhos forçados, ou mesmo a mera detenção daqueles que não se comportavam dentro do padrão considerado ideal para a comunidade ariana, sempre havendo um diploma legal a dar supedâneo a tais penalidades. Podemos, entretanto, considerar estas leis legítimas?


OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS COMO REQUISITOS DE LEGITIMAÇÃO DO PODER PUNITIVO


Uma das conquistas das sociedades democráticas foi a limitação do poder punitivo estatal pelo nullum crimen, nulla poena sine lege, assim enunciado por FEUERBACH, mas que tem origens mais remotas. De acordo com JUAREZ TAVARES, a legalidade penal, ao exigir um processo legislativo democrático para a incriminação de condutas, assegura proteção à pessoa humana diante do Estado, ressaltando que “sem este princípio parece que, à primeira vista, todas as pessoas ficariam inteiramente vulneráveis em face dos caprichos dos governantes e de todas as entidades que, utilizando-se do poder do Estado, quisessem fazer valer os interesses por meio de uma repressão generalizada, a ser exercida sobre seus opositores”.

Contudo, o princípio da legalidade não pode ser interpretado de forma estanque, sob pena de legitimar qualquer intervenção legislativa, por mais absurda que seja. Mais uma vez valemo-nos das palavras de JUAREZ TAVAREZ: “O que se observa é que uma vez adotado o princípio de que qualquer crime deva estar, previamente, definido em lei, se de fato isso ocorrer, ou seja, se uma certa conduta vier a ser capitulada, legalmente, como criminosa, a primeira conclusão a que se chega é que essa criminalização é legítima, ou seja, a definição legal de uma conduta como criminosa torna essa criminalização uma evidência, à primeira vista, incontestável. Portanto, o princípio da legalidade, que inicialmente se apresentava como uma garantia da liberdade, passa a servir de legitimação dos atos destinados a suprimir essa liberdade”. Em suma, não basta a previsão legislativa para fundamentar a atividade abstratamente incriminadora. É necessário que se vá além, buscando as emanações político-criminais da legalidade penal, de forma a orientar a produção normativa.

Decorrência lógica da legalidade é o princípio da proteção de bens jurídicos (ou da lesividade, ou ofensividade, ou princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos), aqui entendido como a “tutela de dados fundamentais para a realização pessoal dos indivíduos ou para a subsistência do sistema social, compatíveis com a ordem constitucional” (LUÍS GRECO). O Direito Penal visa a proteger ataques intoleráveis a bens jurídicos constitucionalmente relevantes, não podendo se ocupar com lesões ínfimas ao objeto da tutela, com direitos de valor infraconstitucional ou com punições puramente simbólicas. No entanto, consoante adverte BUSTOS RAMÍREZ, “hay que tener en cuenta desde un punto de vista conceptual que um principio material puede ser desvirtuado en su eficacia o como programa de acción en cuanto sea formalizado y es así como el principio de lesividad, desde tal orientación formalista, puede llegar a confundirse o subsumirse en el principio de legalidad de los delitos y las penas”. Assim, como se faz com o princípio da legalidade, a proteção de bens jurídicos não pode ser reduzida a uma fórmula simplesmente dogmática e redundante (o Direito Penal visa a proteger bens jurídicos; bens jurídicos relevantes são aqueles tutelados pelo Direito Penal), mas deve também ser avaliada em sua dimensão político-criminal. Afasta-se a enunciação formalista, porém desprovida de alma, para se considerar sua eficiência enquanto baluarte da cidadania e da liberdade.

Desse postulado político extrai-se (dentre outras conclusões, como a proibição de se incriminar atos meramente imorais, diretrizes ideológicas, afetações de bens não fundamentais etc.) que é vedada a incriminação de “modos de ser”. É cediço, hoje, que apenas ações que conflitam com direitos de terceiros ou com a harmonia do sistema social podem justificar a intervenção penal (direito penal do fato), sendo rejeitadas punições voltadas para a personalidade do indivíduo ou para o modo com que este conduz sua vida (direito penal do autor). Apenas exteriorizações comportamentais podem ensejar a aplicação de uma pena.


A INCONSTITUCIONLIDADE DA CONTRAVENÇÃO PENAL DE VADIAGEM


Nesse contexto, percebe-se o total descompasso existente entre a Lei das Contravenções Penais – no que tange à vadiagem e outras condutas igualmente tipificadas – e a Constituição Federal (sim, porque o princípio da proteção de bens jurídicos, entendido como emanação da legalidade, tem sede constitucional). Segundo GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “ser vadio ou ocioso é parte da liberdade de expressão de qualquer ser humano, constituindo, identicamente, manifestação de sua personalidade, quadro pertencente à sua intimidade”.

Não se pode negar, ainda, o evidente caráter discriminatório da norma, que pune tão-somente a pessoa que não tem renda (causa espécie a leitura do parágrafo único do art. 59, o qual afirma que a aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena”; isto é, o necessitado é contraventor, ao passo em que o abastado é um bon vivant). Em última análise, verifica-se notória lesão ao princípio da isonomia, pois o dispositivo cria uma situação de desigualdade absolutamente injustificável.

A vadiagem, diga-se, não é a única previsão inconstitucional do Decreto-Lei nº 3.688/41. Há outras, mas merece atenção o revogado art. 60, que tratava da mendicância (pelos mesmos motivos inconstitucional). Essa contravenção não escapou ao legislador que, através da Lei nº 11.983/09, reformou a LCP, eliminando-a. Perdeu a chance de estender seus esforços, dedicando tempo e recursos a uma modificação discreta.


CONCLUSÃO


Como bem afirma MUÑOZ CONDE, “os associais em sentido lato, é dizer, os mendigos, os vagabundos, as prostitutas, os viciados em drogas, etc., são também hoje em dia nas sociedades modernas considerados como sujeitos molestos, prejudiciais, incômodos para uma convivência pacífica e bem organizada, quando não diretamente delinquentes que devem ser tratados como tais, e às vezes sem muita atenção, para preservar a ordem e a segurança das classes acomodadas”. Reside justamente no preconceito social e na tendência à preservação do statu quo a aceitação de que qualquer comportamento não convencional deva ser tratado como caso de polícia. O Direito Penal, contudo, não pode se curvar a reclamos inflados pelo sentimento hodierno de insegurança, derivados de uma percepção obscurecida pelo terror midiático diário. Qualquer país que se pretenda democrático deve primar, acima de tudo, pela liberdade de seus cidadãos.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Sobre o uso de algemas

"Agente penitenciário é baleado por preso durante audiência em fórum de Sete Lagoas (MG)

Rayder Bragon
Especial para o UOL Notícias
Em Belo Horizonte

Atualizado às 21h56

Um agente penitenciário foi baleado na cabeça pelo preso que ele escoltava durante audiência no Fórum Desembargador Félix Generoso, na cidade mineira de Sete Lagoas (a 70 km de Belo Horizonte).
Segundo a Polícia Militar do município, o detento Maycon de Jesus Pereira, que estava sem algemas, conseguiu pegar a arma do agente e o acertou na nuca. Ele era ouvido por um juiz em audiência no local por volta das 17h desta terça-feira (1º), juntamente com outro detento.
O agente Wendrel Schwenck de Assis, de 29 anos, foi transferido em estado grave, de helicóptero, para o pronto-socorro João 23, em Belo Horizonte. Ele está sendo submetido a uma tomografia para os médicos avaliarem a extensão da lesão.
De acordo com um dos policiais que atenderam a ocorrência, o sargento Célio Lourenço, o preso fugiu pelo corredor do local e trocou tiros com outro agente penitenciário, que conseguiu dominá-lo após baleá-lo em uma das pernas.
Ainda de acordo com informações do sargento, ele foi encaminhado para hospital da cidade e submetido a cirurgia, mas não corre risco de morrer.
Ele estava detido na Penitenciária Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves (MG), e foi ao fórum para ser ouvido sobre acusação de roubo à mão armada que teria cometido em Sete Lagoas."


E aí, Ministro Gilmar? Vai arcar com as despesas hospitalares do agente baleado em serviço? Ou irá reconhecer que QUALQUER custódia de presos é perigosa por si só?

domingo, 30 de agosto de 2009

Estatuto do idoso: nova definição para as infrações penais de menor potencial ofensivo?


"Lei 10.741/2003: Crimes contra Idosos e Aplicação da Lei 9.099/95 - O Tribunal iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra a expressão “exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares”, constante do caput do art. 39, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que assegura aos maiores de 65 anos a gratuidade dos transportes coletivos públicos e urbanos e semi-urbanos, e do art. 94, do mesmo diploma legal, que determina a aplicação, aos crimes tipificados nessa lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos, do procedimento previsto na Lei 9.099/95, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal. Preliminarmente, o Tribunal não conheceu da ação relativamente ao art. 39 da lei impugnada, por já ter se pronunciado pela constitucionalidade desse dispositivo quando do julgamento da ADI 3768/DF (DJE de 26.10.2007). Em seguida, a Min. Cármen Lúcia, relatora, julgou parcialmente procedente o pedido formulado para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 94 da Lei 10.741/2003, no sentido de que, aos crimes previstos nessa lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos, aplica-se o procedimento sumaríssimo previsto na Lei 9.099/95, não se admitindo interpretação que permita aplicação benéfica ao autor do crime cuja vítima seja idoso. Asseverou que, se interpretada a norma no sentido de que seriam aplicáveis aos crimes cometidos contra os idosos os benefícios da Lei 9.099/95, a lei impugnada seria inconstitucional, haja vista a possibilidade de, em face de um único diferencial, qual seja, a idade da vítima do delito, ter-se, por exemplo, um agente respondendo perante o Sistema Judiciário Comum e outro com todos os benefícios da Lei dos Juizados Especiais, não obstante a prática de crimes da mesma gravidade (pena máxima não superior a 4 anos). Assim, estabelecendo que seria aplicável apenas o procedimento sumaríssimo previsto na Lei 9.099/95 aos crimes mencionados, o idoso seria, então, beneficiado com a celeridade processual, mas o autor do crime não seria beneficiado com eventual conciliação ou transação penal. Em divergência, o Min. Eros Grau julgou improcedente o pleito, por reputar, tendo em conta não ter sido apontada, na inicial, a violação a nenhum preceito constitucional, não caber ao Supremo o exercício do controle da razoabilidade e da proporcionalidade das leis. Após, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto. ADI 3096/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.8.2009. (ADI-3096)"

Ao elaborar o Estatuto do Idoso, o legislador pátrio tencionou conferir instrumentos mais eficientes de proteção aos direitos das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, garantindo-lhes prioridades não concedidas aos demais cidadãos (art. 3º, p. único, da Lei nº 10.741/03). Imbuído desse espírito, o art. 94 preconiza a aplicação do procedimento previsto na Lei nº 9.099/95 aos crimes previstos no Estatuto. Ou seja, o dispositivo visa a dar celeridade às ações penais referentes a crimes contra os idosos, com a adoção de um rito sumaríssimo. Evidentemente, a remissão à Lei nº 9.099/95 não abrange os institutos despenalizadores. Seria de uma incoerência quase esquizofrênica entender cabível a transação penal, por exemplo, ao crime de induzir pessoa idosa sem discernimento a outorgar procuração, infração cuja pena máxima cominada abstratamente não ultrapassa o patamar de quatro anos de reclusão. É sabido que os institutos despenalizadores da Lei dos Juizados Especiais somente podem ser aplicados aos crimes com pena máxima igual ou inferior a dois anos. No Estatuto, o legislador teve por objetivo reforçar a proteção aos idosos, não diminuí-la, o que aconteceria em caso de extensão dos efeitos despenalizadores aos crimes referidos no art. 94. Entretanto, por mais que me pareça óbvia tal interpretação, tão logo o Estatuto entrou em vigor, surgiram outras duas posições, a saber:

(a) não só o procedimento, mas também os benefícios previstos na Lei nº 9.099/95 podem ser aplicados aos crimes previstos no Estatuto;
(b) a fim de se preservar o princípio da isonomia, deve-se interpretar o disposto no art. 94 como alterador do conceito de infração de menor potencial ofensivo, que passa a incorporar todo crime ou contravenção com pena máxima igual ou inferior a quatro anos.

Por isso, parece-me perfeita a posição da Min. Cármen Lúcia, para quem o texto legal deve ser interpretado teleologicamente.

Em tempo: o Min. Eros Grau afirma que o STF não pode avaliar a proporcionalidade das leis. Em que pese o devido respeito ao Ministro, ele está redondamente enganado (ao menos no que tange ao Direito Penal). O princípio da proporcionalidade das penas está implícito no princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF). Ou seja, trata-se de direito fundamental do indivíduo. Ademais, leis criadas sob o crivo da desproporcionalidade ferem o princípio do devido processo legal substantivo. Portanto, o STF não pode se eximir de sua apreciação.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Hoje vou me limitar a reproduzir dois textos encontrados na rede sobre a embriaguez ao volante, ambos versando sobre o direito de não fazer prova contra si mesmo. O primeiro é do Juiz Federal André Lenart, com quem tive o prazer de estudar na faculdade e de compartilhar, ainda que por pouco tempo, a profissão de Delegado de Polícia. O segundo é do Procurador da República Bruno Freire de Carvalho Calabrich. Ambos são excelentes, concorde-se ou não com os argumentos expendidos. Abraços a todos.


O Direito de Dirigir Bêbado (André Lenart):

"A Lei Seca trouxe de volta à discussão a constitucionalidade da exigência de soprar o bafômetro. Desde as saudosas aulas na Faculdade, nunca entendi as restrições feitas pela jurisprudência à aplicação desse instrumento. Tampouco me entrava na cabeça que ao obrigar um motorista aparentemente embriagado a soprá-lo o Estado estivesse violando o direito do condutor imprudente à “não-auto-incriminação”. Voz tímida em meio à verdade repetida insistentemente pela maioria, sempre me pareceu que o Estado tinha o dever de retirar de circulação – literalmente – motoristas cuja condição física pusesse em risco a vida, a integridade física e o patrimônio de outros indivíduos. E que maneira mais simples, rápida, barata e eficiente de determinar a possível embriaguez que bafejando o etilômetro? Era e continua sendo absurdo, a meu ver, que uma pessoa possa de recusar a um exame tão banal, isento de constrangimentos corpóreos ou morais.

Até onde sei, nos Estados Unidos o nemo tenetur se detegere assegura ao Acusado apenas o direito de ficar calado ou de mentir, desde que não esteja depondo formalmente como testemunha. São corriqueiros os mandados judiciais autorizando a coleta de material orgânico para exame de DNA, e a ninguém ocorre que a pessoa possa se opor à ordem, sem motivo convincente. Na Alemanha, o princípio do nemo tenetur se ipusum accusare é visto como derivação do direito à personalidade (das allgemeine Persönlichkeitsrecht) e do princípio do Estado de Direito (Rechtsstaatsprinzip) (art. 2 I GG e Art. 1 I GG). Impede que a pessoa seja forçada a depor (”Niemand wird gehalten, sich selbst anzuklagen”), sem que isso valha como confissão de culpa (BVerfG StV 1995, 505 [506]; BGHSt 42, 139 [152]). Além do direito ao silêncio (Schweigerecht), o acusado pode mentir, sem o risco de ser punido (Urs Kindhäuser, Strafprozessrecht, p. 63, rubrica “Die Rechte des Beschuldigten” – Os Direitos do Acusado: “er kann sogar lügen, ohne eine Sanktion befürchen zu müssen…”).

Não parece que a jurisprudência desses países vá tão longe a ponto de dar ao Suspeito/Acusado o direito de eximir-se da coleta de material orgânico ou, menos ainda, de recusar um mero sopro no bafômetro. O motivo é singelo: eles não estão fazendo prova contra si próprios; quem faz essa prova é o Estado. O STF, contudo, parece conferir dimensão muitíssimo mais ampla ao princípio do nemo tenetur: ainda que um fio de cabelo ou uma gota de saliva bastem à investigação ou à instrução processual, é preciso que a polícia ou o juiz os catem no chão. Não podem ser “obtidos” contra a vontade do Suspeito, pouco importando o direito de outra pessoa a conhecer sua origem genética (exame de paternidade) ou o interesse da vítima e da sociedade em geral no esclarecimento de crimes (persecução criminal). É mais um exemplo eloqüente da distorção que a alfândega dos trópicos impõe às doutrinas estrangeiras que aqui aportam."


O teste do bafômetro e a nova lei de trânsito (Bruno Freire de Carvalho Calabrich):

"Na imprensa e nas ruas, muito se tem comentado sobre a nova lei de trânsito (lei n.º 11.705, de 19 de junho de 2008), que alterou diversos dispositivos do Código Brasileiro de Trânsito (lei n.º 9.503/97). Um dos mais polêmicos desses dispositivos é, sem dúvida, o que trata do exame de bafômetro (art. 277 do CBT). Segundo a nova lei, o motorista está obrigado a se submeter ao teste e, caso se recuse a fazê-lo, poderá ser punido. Entretanto, razoável parcela da população, da imprensa e das próprias autoridades encarregadas de aplicar a lei, ao que parece, ainda não deram a devida atenção ou não compreenderam corretamente o alcance da nova previsão legal. É o que se pretende esclarecer nestas breves linhas.

De início, é importante distinguir o crime de embriaguez ao volante da infração administrativa de embriaguez ao volante. O crime de embriaguez na condução de veículo automotor é previsto no art. 306 do CBT: "Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência". A pena prevista para esse crime é de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Já a infração administrativa de embriaguez ao volante, na redação dada pela lei nº 11.705/08, é assim descrita: "Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência". Para tal infração de trânsito, considerada gravíssima, são cabíveis as penalidades de multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses, além das medidas administrativas de retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Uma mesma conduta pode caracterizar tanto uma infração de trânsito quanto um crime de trânsito – basta que o motorista esteja embriagado com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas (ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência). Nesse caso, responderá tanto perante os órgãos de trânsito quanto perante a justiça criminal. Caso a concentração seja inferior a 6 decigramas, o motorista responde apenas pela infração administrativa.

Feita essa introdução, uma observação é necessária: ao contrário do que vem sido divulgado, o motorista pode se recusar, sim, a fazer o teste do bafômetro. A recusa a fazer o teste do bafômetro não é crime, nem dá prisão. E o que acontece com aquele que se recusa a fazer o teste? A lei é clara (§3º do art. 277 e art. 165 do CBT): o motorista que se recusar a fazer o exame será punido com (a) multa e (b) suspensão do direito de dirigir por 12 meses. Além disso, no ato da fiscalização, a autoridade deverá realizar (c) a apreensão da carteira de habilitação e (d) retenção do veículo até que um condutor habilitado venha retirá-lo. As conseqüências previstas pela lei para quem se recusa a se submeter ao bafômetro são as mesmas previstas para aquele que é flagrado ao dirigir sob a influência de bebida alcoólica, infração (administrativa) de trânsito do artigo 165 do CTB. Na prática, é como se a lei, diante da negativa do motorista em se submeter ao exame, "presumisse" seu estado de embriaguez, mas apenas para fins de aplicação das penalidades e medidas estritamente administrativas (não criminais).

As duas primeiras conseqüências da recusa em fazer o exame – (a) multa e (b) suspensão do direito de dirigir por 12 meses – são tratadas no CBT como penalidades, e, por tal natureza, dependem da instauração de um procedimento administrativo (arts. 280 e seguintes do CBT), no curso do qual o motorista pode se defender por escrito. Após apresentada a defesa, caso o órgão de trânsito, ao final, decida por efetivamente aplicar aquelas penalidades, o motorista pode ainda interpor recurso às Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI (art. 16 do CBT), como acontece hoje em dia com qualquer multa ou penalidade prevista na legislação de trânsito.

As duas outras conseqüências – (c) apreensão da carteira e (d) retenção provisória do veículo – são medidas administrativas, e podem ser aplicadas de imediato pela autoridade de trânsito no próprio ato de abordagem do motorista. Em relação à retenção do veículo, é interessante notar que, para a liberação, basta que o condutor solicite a outra pessoa que dirija o automóvel em seu lugar. Pode ser um amigo que venha ao local a seu chamado ou até mesmo um carona que o esteja acompanhando no momento.

A apreensão da carteira e a retenção do veículo são as únicas medidas a serem aplicadas de imediato ao motorista que se recusa a se submeter aos exames solicitados pela autoridade policial. Não cabe, pela simples recusa, a prisão do motorista. Note-se ainda que o motorista pode se recusar a se submeter a qualquer exame, seja o teste do bafômetro, seja qualquer outro procedimento previsto no artigo 277 do CBT, a exemplo de exames clínicos ou de sangue. Assim, caso o condutor do veículo se negue a participar de qualquer procedimento de avaliação de seu estado de embriaguez, sequer caberia a condução coercitiva do motorista à delegacia de polícia ou a outro local onde se poderia realizar um exame médico. Mas, em qualquer caso de recusa, serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas mencionadas acima.

É um princípio jurídico pacificamente aceito que "ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo" (tradução do brocardo latino "nemo tenetur se detegere"). Lido o princípio de outra forma, diz-se que ninguém pode ser constrangido a contribuir para a própria acusação. Assim, o agente de trânsito ou qualquer outra autoridade não podem forçar ninguém a fazer o teste do bafômetro nem a se submeter a nenhum outro procedimento que possa resultar em uma prova contrária a seus interesses. Considerando esse princípio, a lei, como visto, tratou de prever sanções (precisamente as referidas penalidades e medidas administrativas) para aquele que se recuse a fazer o teste, de modo a tornar "interessante" para o motorista tal opção – para não ser punido administrativamente, o motorista pode "arriscar" o exame. O motorista, dessa forma, terá sempre a opção; jamais poderá ser "forçado" (coagido) a realizar o exame.

A recusa a se submeter ao exame não é, a rigor, um "direito" do motorista, e sim uma obrigação, para cujo descumprimento a lei prevê sanções no âmbito administrativo. Mas, estando o condutor ciente de que pode ser punido administrativamente, a não submissão ao exame é, afinal, uma opção exclusivamente sua. As alternativas à sua frente, assim, são: (a) submeter-se ao exame e arriscar conseqüências penais mais gravosas, caso seja detectada uma concentração superior a 6 decigramas por litro de sangue; ou (b) não se submeter ao exame e sofrer as sanções administrativas previstas no art. 165 do CBT, a serem aplicadas de imediato (apreensão da habilitação e retenção provisória do veículo) e ao final de um processo administrativo regular (multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses). Claro que todas essas considerações, na prática, não valem para o motorista que não tem dúvidas quanto a seu estado de embriaguez. Aquele que não ingeriu nenhuma bebida alcoólica provavelmente não terá nenhuma objeção quanto a se submeter a qualquer exame.

Por fim, é necessário destacar que, nos termos do §2º do art. 277, a infração de dirigir sob a influência de álcool (art. 165 do CBT) "poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor". Assim, o testemunho dos agentes ou o relato de um médico que esteja no ato da fiscalização de trânsito pode ser suficiente para a caracterização da infração, mas essa prova será apreciada no curso de um processo administrativo regular, na forma antes descrita. Lembre-se que, caso se recuse ao teste do bafômetro (ou a qualquer outro procedimento), o motorista não pode ser conduzido coercitivamente a outro local para realizar o exame.

Considerando a opção que o motorista tem de se recusar ao teste do bafômetro ou a qualquer outro exame (aceitando, com isso, a aplicação das sanções do artigo 165 do CBT), a única hipótese para que seja forçosamente levado a uma delegacia é o caso de ser preso em flagrante pelo crime de embriaguez ao volante. Mas a prisão em flagrante por esse crime só pode ocorrer quando estiver claramente caracterizada a embriaguez do motorista, o que de regra resulta de um exame de alcoolemia positivo. Não sendo realizado esse exame, outra possibilidade é o caso de embriaguez patente, verificada no ato pelos agentes de trânsito ou por médicos em virtude de "notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor", conforme previsão do art. 277, §2º do CBT. Embora a lei, neste artigo 277, refira-se apenas à comprovação da infração administrativa do art. 165 do CBT, não há por que não aplicá-la também ao crime do artigo 306. O problema, entretanto, será uma questão de prova, a ser ponderada tanto pela autoridade responsável pela lavratura de um (eventual) auto de prisão em flagrante quanto pelo Ministério Público e pelo Judiciário, ao ensejo do processo penal a ser instaurado contra o motorista que for flagrado em (suposto) estado de embriaguez evidente. É de se admitir, entretanto, a dificuldade prática da substituição de uma prova técnica (como o bafômetro) por outra prova, considerando a exigência "matemática", para a configuração do crime, de uma concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue.

Assim, a prisão em flagrante em caso de recusa do agente ao teste do bafômetro deve ocorrer apenas em casos de embriaguez evidente, que há de ser documentada pelo delegado de polícia no auto de prisão em flagrante, inclusive com testemunhas e com qualquer outra prova apta a demonstrar o fato. Se não se tratar de uma situação de notória embriaguez, comete abuso de autoridade o agente que "prende" ou "conduz coercitivamente" o motorista para fazer um exame ao qual ele se recusa. Na dúvida quanto a seu estado de embriaguez, o condutor não pode ser preso; caso assim se proceda, a prisão será ilegal e deve ser prontamente invalidada pelo Judiciário, submetendo-se os responsáveis a um processo criminal por abuso de autoridade, além de outras sanções administrativas e cíveis cabíveis."